As grávidas querem doulas nos hospitais públicos

Algumas cidades brasileiras já contam com leis que permitem que a profissional que apoia as gestantes participe de partos
Revista Época 01/08/2015 GABRIELA VARELLA (EDIÇÃO: MARCELA BUSCATO)

Morgana Eneile, de 35 anos, é a favor do #parto com respeito e fez uma petição para garantir a presença de doulas em maternidades públicas do Rio de Janeiro (Foto: Acervo Pessoal)

A carioca Morgana Eneile, de 35 anos, tem dois filhos: Dave, de 17 anos, e Teodoro, 2. Quando engravidou pela primeira vez, ainda era adolescente. Ela queria que o bebê nascesse por parto normal, mas complicações levaram a uma cesárea. “Segurei meu filho pela primeira vez 20 horas após o parto”, diz Morgana. Ela queria que a história fosse diferente no nascimento de Teodoro. Contou com a ajuda de uma doula, uma profissional que dá apoio físico e emocional à grávida no trabalho de parto. A preparação pode começar meses antes do parto, com exercícios para facilitar o nascimento do bebê.  Ana Lúcia, a doula que acompanhou Morgana durante a gravidez, orientou quando as contrações começaram, em casa, até a chegada de Teodoro, no hospital. “A ajuda dela me deixou mais confortável e tranquila”, diz Morgana. 

Nem todas mulheres podem contar com o auxílio de uma doula quando o parto é feito em um hospital público. Há uma lei, aprovada em 1990, que garante que a gestante tenha a companhia de uma pessoa durante o nascimento do bebê: geralmente o pai, uma pessoa da família, uma amiga. Nesse caso, a entrada da doula depende exclusivamente de o hospital autorizar mais um acompanhante. Se não permitir e a gestante fizer questão da presença da doula, o pai – ou qualquer outro acompanhante – tem de ficar de fora do nascimento do próprio filho. É uma escolha difícil. Pensando nesse dilema, Morgana criou uma petição na Change.org para pedir à Prefeitura do Rio de Janeiro que as doulas possam entrar nas maternidades, sem anular o direito ao acompanhante, já garantido por lei. O objetivo de Morgana é reunir 5 mil assinaturas. Ela já conseguiu a adesão de 3,2 mil apoiadores.

Morgana Eneile segura o filho Teodoro nos braços. Para aliviar o desconforto durante o parto, ela teve a ajuda física e emocional de uma doula (Foto: Amanda Alexandre Fotografia)

O trabalho das doulas ainda não é regulamentado. É uma ocupação prevista pela Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mas não segue diretrizes gerais de formação e normas de atuação. “Não existe nada que garanta realmente a possibilidade de trabalho”, diz Maria Angelina Pita, do Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (Gama), uma entidade que incentiva o parto normal e forma doulas. Estimativas do Gama sugerem que cerca de 500 doulas exerçam a profissão no Brasil. 

Na ausência da regulamentação da profissão e, com isso, do tipo de formação necessário para que alguém atue como doula, muitos médicos não se sentem seguros para trabalhar ao lado delas nos hospitais. “Existe o risco de a doula tentar interferir na conduta médica, o que pode deixar a paciente insegura”, diz o ginecologista João Steibel, presidente da Comissão de Abortamento, Parto e Puerpério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetríca.

A preocupação dos médicos é legítima. Mas interferir no trabalho do médico, dizem as doulas, não é o objetivo delas. Elas ficam ao lado da mulher para ensinar técnicas de respiração e relaxamento que ajudam a suportar as dores do trabalho de parto. Também auxiliam a gestante a fazer a força correta para que o bebê nasça, já no fim do trabalho de parto. Esse tipo de apoio tem potencial para diminuir o número de intervenções a que as gestantes são submetidas – como a aplicação de substâncias para acelerar o trabalho de parto, a necessidade de anestesia, que dificulta que a gestante faça a força adequada para o bebê nascer, e o corte na região do períneo, entre a vagina e o ânus, conhecido como episiotomia. Essas medidas costumam ser dolorosas para as gestantes e podem estar associadas a casos de violência obstétrica quando feitas à revelia da paciente (leia a reportagem em ÉPOCA desta semana sobre #partocomrespeito). “Acontecem menos intervenções durante o parto”, diz Angelina, do Gama. “O fato de ter uma doula o tempo todo pode inibir alguns comportamentos.”

A presença das doulas também pode ser um estímulo para que as mulheres optem pelo parto normal – uma preocupação do Ministério da Saúde. No Brasil, mais de 80% dos nascimento são feitos por vias cirúrgicas, taxa cinco vezes maior do que a preconizada pela Organização Mundial da Saúde. A revisão de alguns estudos científicos, feitos com mais de 15 mil mulheres, sugere existir uma relação entre a presença de doulas e a diminuição de cesáreas. Segundo um levantamento realizado por um banco de dados internacional, a Cochrane Library, o apoio contínuo durante o trabalho de parto diminuiu em 21% a realização de cesáreas e reduziu em 10% a necessidade de analgesia nos partos vaginais, que aumentaram 8%. Cerca de 30% dessas mulheres não tiveram sentimentos negativos sobre a experiência.

“As doulas prestam serviço de apoio, escuta, acolhimento e, principalmente, suporte emocional durante o trabalho de parto.”


Morgana Eneile e os filhos Dave, de 17 anos, e Teodoro, de 2 anos (Foto: Acervo Pessoal)

Pelo Brasil, já há experiências semelhantes à proposta na petição de Morgana. Em Sorocaba, no interior de São Paulo, (SP), começou a valer em junho uma norma que permite que as doulas entrem nos hospitais. Em Blumenau (SC), há um ano está em vigor a lei que autoriza o trabalho das doulas nos hospitais públicos e privados. “Queremos estimular a humanização do nascimento e incentivar o que preconiza o Ministério da Saúde: o fortalecimento do parto normal”, diz o vereador Mário Hildebrandt (PSD), co-autor do projeto juntamente com o vereador Robinsom Soares. A doula precisa se cadastrar no hospital e se apresentar ao corpo clínico e de enfermagem. “Elas estão autorizadas a entrar com seus  instrumentos de trabalho, condizentes com as normas de segurança do hospital, mas não interferem nos procedimentos e condutas médicas”, diz a enfermeira obstetra Rosane Matilde Scheidt dos Santos, do Centro Obstétrico do Hospital Santo Antônio, um dos primeiros a aderir. “As doulas prestam serviço de apoio, escuta, acolhimento e, principalmente, suporte emocional durante o trabalho de parto.”